Tuesday, May 19, 2009

Transe ilícito (Parte II)

De doze por oito pra nove por sete, a pressão abaixa com as tragadas na erva que circula. Perguntam se está sozinha. Você diz que sim, mas desconversa.

Um homem com muitas sardas (visíveis mesmo no escuro) se aproxima em silêncio. Você sente os efeitos da droga e dispara um elogio ao desconhecido:
- Você é bonito.
- Sou?
- É. A sua aura...

Embora sinta o mundo desacelerar, sabe que os pensamentos fluem como nunca. Não formula frases completas nem acompanha seqüências lógicas – as idéias surgem, mas logo morrem. As superfícies desaparecem, pois você só busca a essência de cada coisa. Não importam os cabelos cor de ferrugem ou os olhos castanhos: você se interessa pela identidade escondida atrás da máscara.

Ele estende a mão, esperando um cumprimento. Você se levanta e puxa o sujeito para a pista, onde se desmancha em movimentos aleatórios. O ruivo aprova a manifestação psicoativa da sua dança e observa de perto o ir e vir dos seus braços esticados. A música termina e ele te leva ao corredor do apartamento. Vocês ficam mais sozinhos do que nunca estiveram.

Sua introversão inicial se torna lenda com essas quatro palavras:
- O que você quer?
- Qualquer coisa.
- Eu não posso!

Você repele a idéia absurda de trair. Não entende esse querer e culpa a droga pelo seu desejo. Visualiza a cena: corpos de almas distantes enroscados no corredor. O transe ilícito em todos os sentidos.
- Não pode por quê?

Abre a boca sem emitir som. Vira o rosto. Abandona o rapaz. Após poucos segundos, esquece pra sempre a iminência do adultério, nem tão iminente assim.

Pega uma cerveja e se afasta de rostos atraentes. Percebe que alguém pode te reconhecer e se esconde. Conhecidos de conhecidos passam sem te notar. A multidão escurece as feições, que se despersonalizam na pista.

Você se isola, mas as performances de troca de casais continuam a diverti-la. Vê que duas pessoas se excluem num canto e derrubam um vaso de flores. No chão, cacos e pétalas se reúnem aos copos vazios. O estrépito é ignorado por todos.

O homem aperta o outro contra o peito e desliza a mão pela sua cintura. A calça jeans de cós baixo mostra a cueca xadrez do garoto apalpado.

Deja-vu.

O infeliz objetivo se cristaliza na sua frente. O flagrante entorpece sua sensatez e você não cogita nada além de vingança. Seu homem com um homem? Ou era aquela uma fêmea de poucos cabelos?

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